As parceiras é o primeiro romance da carreira de Lya Luft. Publicado originalmente em 1980, pela editora Nova
Fronteira, hoje está na sua 29º edição com 127 páginas dedicadas à também
escritora Rachel Jardim.
Em As Parceiras, é nos dada uma
visão feminina sobre um família de mulheres marcadas pela loucura e por
tragédias. Anelise Von Sansens, com
aproximadamente 40 anos, tem sua vida a beira do caos depois de consecutivos
abortos e a separação do marido. Para resolver suas questões interiores,
Anelise retrocede ao antigo chalé de praia da família a fim de buscar no
passado as razões para seu infortúnio e sina das mulheres que a cercam.
A narrativa é feita em primeira pessoa , onde
Anelise além de personagem principal é também o narrador, os fatos são
descritos em tempo real e distribuídos em sete capítulos, correspondentes aos
sete dias da semana. Ainda que os capítulos sigam uma cronologia, o enredo do
livro não se dá de forma linear, desenvolve-se com cortes e muitas
retrospectivas, fazendo uma mescla entre as memórias do narrador e o tempo
real. O vocabulário empregado é relativamente simples, mas exige atenção
do leitor devido ao uso de figuras de linguagem, especialmente metáforas e
ironias.
As recordações de Anelise começam com a avó Catarina,
que aos 14 anos foi obrigada a se casar com um homem rude que a violentava,
buscava fugir de sua realidade isolando-se no sótão da casa e acabou enlouquecendo.
Mesmo assim, o casamento resultou em quatro filhas: Beatriz, Tia Beata, que
ficou viúva semanas depois de casar-se, seu marido se suicidara com um tiro na
boca, predestinada a morrer virgem, buscou refúgio na religião. Dora, artista
plástica que relata de forma oculta em seus quadros sua infelicidade nos inúmeros
casamentos. Dora adotou um filho, Otávio, e o mandou para estudar no exterior
tentando livra-lo da sina da família. Norma, mãe de Anelise e sua irmã Vânia, é
descrita como uma figura distante, deixando explícito que nem a própria Anelise
sabia quem a mãe realmente era. E por último, Sibila, ou Bila, como é
mencionada no livro, que foi resultado de um abuso quando Catarina estava
submersa em seu mundo de loucura, nasceu louca e anã, e é caracterizada como uma
figura grotesca na infância de Anelise. As memórias de Anelise também se
concentram na amiguinha Adélia, a quem ela diz ser seu primeiro amor. Um amor
fraterno, era Adélia quem a ajudava a fugir do mundo de loucuras e bizarrice da
família, mas o destino mais uma vez passa a perna nos Von Sansens tirando
Adélia do caminho de Anelise de forma trágica: Adélia despencou de um penhasco.
Na trama, também há uma veranista de suma importância ao desfecho final do
livro.
A melancolia se
estabelece por todos os sete capítulos de As parceiras. Quando os pais de
Anelise morrem, quem fica com sua custódia e da irmã é tia Beata que, devido à
lástima de sua vida, tornou-se uma pessoa fria e sem afeto, fazendo de Anelise
uma criança carente. Vânia casasse cedo e torna-se uma mulher aparentemente forte,
mas que esconde um segredo: casou-se sobre a condição de nunca ter filhos, pois
seu marido tinha medo de sua família esquisita. A protagonista só tem
proximidade com o afeto quando conhece Otávio e, anos depois, Tiago, com quem
fora casada. Depois de consecutivos abortos e a morte do único feto que nascera,
Anelise volta ao antigo chalé, de onde todos os dias observa uma veranista que
se coloca sentada no mesmo penhasco onde Adélia despencara.
Durante todo desenrolar
do livro, é nítido o medo que Anelise tem medo de ficar louca como a avó ou ter
a uma vida mísera como as tias e a mãe. Mas, ao final da semana que passa no
chalé, ela percebe que tem muito mais em comum com sua família do que pensa, e
percebe que a desgraça é justamente o que as une. Catarina se refugia no sótão,
Anelise fazia–se de seu próprio sótão. A
autora deixa questões em aberto no final do livro, como a identidade da
veranista e qual foi o verdadeiro destino de Anelise.
O desfecho final é o
encontro de Anelise com a veranista, onde a protagonista reconhece quem ela, do
chalé, observava todos os dias. As duas descem o penhasco de mãos dadas. Mas
enfim, quem era a veranista? Qual foi o destino de Anelise? Ela resolveu suas
questões? Acabou se rendendo a loucura da família? Isso cabe de cada leitor.
O romance As Parceiras
é um dos livros mais tocantes que já li. A trama é intrigante e bem
desenvolvida, assim como as passagens de tempo, tanto dos flashbacks quanto do
tempo real. Entretanto, o desfecho final, por mais que fosse a intenção da
autora deixa-lo em aberto, poderia ser um pouco mais detalhado dando ao leitor
premissas para descartar algumas possibilidades de fim. Recomendo essa leitura para
aqueles que gostam de livros com personagens reais e dramas que facilmente
podemos encontrar fora as páginas.